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O que tem de tão bom em ser feliz?

4 Comentários

Por mais pitoresca que seja, felicidade não rouba tanta atenção quanto um poço de lágrimas, mágoas, traumas, rancores. Todo mundo tem na manga histórias dramáticas para contar no café da manhã. Mas histórias felizes nem sempre protagonizam no confessionário, no compartilhamento. Não dá engajamento e nem nos torna memoráveis no século XXI, onde a mazela ganha até QR Code, veja bem.

Felicidade “só serve” para duas coisas: culpa e te fazer parecer um coach motivacional. Ou seja: um mentiroso. Afinal, nada mais suspeito do que gente que vive feliz. Segundo as línguas (boas e más) felicidade nunca está imune à inveja. Diante de quem nunca viu um cristal, até gelo parece digno de cobiça. O que sempre achei uma contradição, já que a bendita da tal felicidade é inerente, sem exceções. Até mesmo à mais patife das criaturas saboreia o agridoce de ser feliz. Gente ruim se dá bem, “bonzinho só se fode”, já dizia o poeta do Orkut (que de tão feliz, acabou). Nunca vi gente ruim ficar sem mostrar os dentes, mas já vi muita gente boa tapando a boca pra sorrir.

A felicidade não é um acontecimento pontual. Ela tem um longa cauda que se estende até o passado. Ela se alimenta de tudo que foi vivido. A forma de sua aparição não é o brilho, mas o pós-brilho. (…) Quando tudo nos lança em um frenesi de atualidade, quando estamos no meio da tempestade de contingências, somos infelizes.
(HAN, Byung-Chul. A crise da narração. 2023, p.44)

Quanto mais eu penso na felicidade, mais eu lembro da minha mãe dizendo que felicidade plena não existe, “existem momentos felizes – e é melhor aproveitar”. Essa frase foi dita por tantas vezes que eu cresci acreditando que felicidade tinha um reloginho, data de validade e até alguns (d)efeitos colaterais. Será que ela é homeopática? Quem vive triste perdeu a hora de ser feliz? E o mitomaníaco: será um admirável colecionador de felicidades?


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Viver em busca da felicidade me faz pensar num grande centro de distribuição: uma fila imensa com gente ranzinza e números de protocolo. Sempre tem quem chegue na frente e ainda consegue banco, sombra e água geladinha. Aprendemos cedo que a maioria só consegue chegar quando os pacotes mais soterrados ganham espaço. Com sorte, conseguimos um envelopinho xoxo, que parece ter sido mais pisoteado que chiclete no Maracanã.

Nasci sem chances de ser hater da felicidade, apesar de tudo: todo santo dia útil, durante oito horas, eu acredito que ela está lá na frente, esperando por mim com um buquê de flores glitterinadas e um mocaccino. Quem sabe, terei vida o suficiente para saboreá-la longe dos tais olhares atentos e sedentos? É isso o que mais me fascina: saber que ela consegue sobreviver mesmo nos lugares mais inóspitos da nossa existência. E aí, você me diz: como vou acreditar que quem sobrevive até onde o relógio do fim se apressa, necessita de tantos melindres, hein?

Felicidade brilha no ar
Como uma estrela que não está lá
É uma viagem, doce magia
Uma ilusão que a gente não escolhe
Mas que espera viver um dia

(Talvez você não saiba, mas Fábio Jr., o maior passa-rodo da nossa geração já cantava essa bola antes – você que escolheu ignorar)

(fui tentar fazer o Fábio Jr. mas ficou parecendo um ator de dorama)


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4 Comentários

  • 19 de outubro de 2025 at 15:44

    Oi, Rê!
    Primeiro: eu li o texto da ilustração cantando! hahaha
    Eu concordo com você, mas eu acrescento que eu acho que as pessoas andam tão na roda do hamster que elas não sabem o que é felicidade pra elas. Se você perguntar, muitas vão dar uma resposta pronta e genérica (casar, ter filhos, um trabalho etc.) ou vão confundir a felicidade com outro sentimento (alegria, realização, amor, empolgação etc.). Saber o que nos faz felizes exige pausa e autoconhecimento (que essa vida louca e capitalista nos rouba, já que é preciso assumir uma persona e performá-la o tempo todo).
    Enfim, é uma questão complexa, com muitas camadas.

    Um beijo,

    Resposta
  • 5 de setembro de 2025 at 21:33

    Peraê que ainda tô processando: “Diante de quem nunca viu um cristal, até gelo parece digno de cobiça”! Sensacional!!! Parabéns pelo texto e pelo blog!!!

    Resposta
  • 30 de julho de 2025 at 22:15

    Amiga…
    Eu não sei nem o que FALAR diante desse texto, viu? Sério mesmo, tô meio embasbacada…
    Sempre senti que a gente precisa dos momentos não-felizes pra dar valor pros felizes. Não consigo encaixar a felicidade em algo que a gente é e sim como algo que a gente está, porque na real eu não sei se a gente “é” algo realmente… Acredito que vivemos em estado constante de “estar”.
    Porém, não vou mentir, sinto falta das épocas em que estive mais feliz do que não estive!

    Resposta
  • 29 de julho de 2025 at 11:40

    Esse teu texto me pegou de um jeito. Antes da depressão eu sempre me considerei uma pessoa ”feliz”, mas depois… o pensamento sempre martela na minha cabeça ”quando a felicidade chega, tenho que aproveitar, ela não dura”. Acho raridade nos dias de hoje achar alguém que se considere uma pessoa genuinamente feliz.
    Dei uma boa gargalhada com o seu comentário sobre sua ilustração. Eu, particularmente amei! hahaha <3

    Resposta

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