Papo de Vitrola

A Hora da Laranja

Eu nem sei mais quantos dias temos o que foi nomeado “quarentena” pois me perdi nos dias. Eu lembro de termos nos isolado em meados de março, quando ainda estava em Ubatuba, e desde então, tenho feito na medida do possível coisas para me esquivar do vírus – não sei se foi sorte ou ciência, até agora.

Todos os dias sinto essa agonia no peito e penso o quanto é injusto, na roleta da vida, ainda acontecerem coisas ruins neste período. Deveria ser impedido. De gente que aparece montado a cavalo à melodia de mosquito na ouvido em noites de um suposto frio carioca: tudo que importuna deveria ter sido temporariamente suspenso.

Desde a mudança – me mudei de Ubatuba para Duque de Caxias, no RJ, no início de maio – por mais loucura e movimentação que um mudança tenha gerado, ficar em casa tem me dado tempo de fazer muitas coisas. Mas o tempo da pandemia parece um relógio diferente. É um relógio mais barulhento, ora rápido demais, ora tão lento que os ponteiros mais parecem duas agulhas atravessando a sola do pé.

Decidi aproveitar algumas das minhas horas livres fazendo coisas bobas & prazerosas, e cada semana (ou mês, não sei mais) escolho algo que me faça contemplar nem que seja por um tempo o simples fato de ainda estar aqui. Ainda no dilema se isso é um castigo ou dádiva, meu favorito até agora foi o desta quinzena (??) que eu nomeei carinhosamente de “Hora da Laranja”: eu corto uma laranja em 4 partes, tiro a casca, coloco num potinho e sento numa cadeira de praia na varanda, que ainda tá com o piso metade pintado de cinza, metade só num cimento brusco.

Fico sentada ali, naquela meticulosa divisão de cores quase enganosas a olhos despidos, ouvindo as galinhas do vizinho que religiosamente, por volta das 5 da tarde, disputam o galho das árvores, observando a nossa horta se formar e o quintal ganhar uma nova cara em mais de 30 anos: Sensação de satisfação temporária e necessária.

É tudo que eu preciso por agora.

(menos de racistas e fascistas. isso a gente não quer.)