Papo de Vitrola

Mesmo tarde ainda é arte

Minha idade não pode ser contada pelos fios brancos na minha cabeça por motivos óbvios, e, embora eu ainda seja “jovem”, minha certidão foi escrita à mão e mais parece um papiro (sem exagero). Eu meio que desisti de adquirir roupas novas pois cheguei naquela idade em que não quero uma camiseta escrita “SEM TEMPO, IRMÃO”, mas também não quero uma saia midi de alfaiataria.

Em março deste ano eu completei 35 anos.

Sou uma mulher, mãe e artista independente. Não coleciono carimbos nem de passaporte, nem de carteira de trabalho. Atualmente, sigo fazendo o que sei, que é criar, e costumo acreditar que como a maioria dos artistas, principalmente mulheres, já me perguntei diversas vezes: e se estiver muito velha para tudo isso? E QUANDO eu estiver velha?

Os dias passam e eu sinto que não aprendi tudo e o caminho é infinito, o que acho que talvez… isso deve ser bastante tempo. Os artistas mais novos, naquela fase boa sem dívidas e ainda em boa parte sustentados pelos pais, postam artes em iPads e abusam de ferramentas que facilitam a criação, entre elas a cobiçada despreocupação. Eu tenho vontade da primeira e muita saudade dessa última, em especial.

fonte da imagem

Mas apesar de viver na mesma época de outros jovens artistas e ainda assim, ter a consciência que não sou um deles – e o avanço deles não pode ser comparado com o nosso, já que tivemos acessos a ferramentas diferentes, em diferentes épocas e presenciamos o bug do milênio (!!!) -, eu vou continuar fazendo o que eu faço. Existe uma linha do tempo a ser respeitada, eu aceito, fico fula da vida, volto pra realidade e sigo, né? Criando e de bode eterno com quem discursa “mas tem escolha…”

Recentemente, criei um Tik Tok, mesmo inicialmente me permitindo acreditar que era uma rede “para adolescentes”. O resultado dessa experiência é que tenho aprendido muito: sobre técnicas, sobre processos, sobre compartilhamentos, sobre ideias e bastidores de e-commerce, sobre fazer coisas de maneira despretensiosa, sobre como me mostrar para o mundo. A vida adulta me fez uma pessoa dura, sem muitas margens de erros (é possível errar, porém isso podia render algumas parcelas em 10x com juros) e consequentemente, escondendo coisas simples como mostrar o que ando fazendo, tal qual Austin Kleon tanto martela no livro “Mostre seu trabalho”.

Um outro detalhe em especial – e que sinto muita falta em tempos de quarentena – foi o convívio com meu enteado, uma criança muito esperta de 7 anos de idade. Tive muitas ideias apenas observando como ele criava, quais eram suas dúvidas e receios e também aquela renovação no despretensioso que as crianças vão abandonando lá pelos 8 anos de idade (e que por isso, é tão importante o incentivo artístico justamente nessa fase).

antes da quarentena, rolou espaço painel de arte improvisado aqui.

Recentemente, descobri a artista Lynda Barry e de novo, criei aquela caminha confortável do “pois olhe, existe sim um futuro exatamente por este caminho”. Também já comentei aqui sobre a artista Carmen Herrera, que teve seu reconhecimento artístico apenas aos quase 100 anos de idade. O que ela fazia todos os dias? Apenas criava. E segundo diz, foi feliz com isso.

Em tempos de trocas de likes por aprovação de nosso trabalho e como termômetro da felicidade, temos aí talvez mais uns 70 anos para refletir. E eu nunca vou estar velha para me sentir jovem.