Papo de Vitrola

Por que estamos preocupadas se homens estão consumindo conteúdo feito por mulheres?

ATENÇÃO: Este post contém um pequeno spoiler da terceira temporada de “A amiga Genial”, então se você não deseja lê-lo, apenas ignore o próximo parágrafo.


Estava assistindo esses dias a terceira temporada de “A amiga Genial”, série da HBO baseada na tetralogia escrita por Elena Ferrante. Lenu é uma escritora famosa e nesta temporada, casada com Pietro. Depois de duas gestações, resolve escrever mais um livro e ao ferver da mente e envolvida cada vez mais com o pensamento e movimento feminista, escreve um ensaio que ela cita como “homens que fabricam mulheres”. Pietro, e agora amigo de uma antiga paixão de Lenu, Nino, já o leu e diz a Pietro: “não leia, este livro não é para você”.


Minha promessa do ano que passou foi que me dedicaria a consumir o máximo que eu conseguisse de produções feitas por mulheres. Filmes artigos, livros, produtos, alimentos. Estamos em fevereiro e o que tenho até agora é uma mente borbulhante e a sensação de uma das melhores escolhas que já fiz na minha vida. Continuo desconfortável dentro de uma dura realidade, é claro, mas me sinto ouvida, como se meus pensamentos e sentimentos ecoassem por aí, para trás, para frente, para os lados, em todas as direções e além do tempo. Ligadas por uma luta em comum.

Já vi muitas mulheres dizerem para homens “consuma mulheres, consuma conteúdo feito por mulheres” e penso que estamos anos luz de distanciamento desse conselho funcionar. Não deveríamos estar dando conselhos tão óbvios. Outro que costumo muito ouvir “homens que não tem amigas mulheres é um caso suspeito”, e já cheguei a pensar assim, mas hoje em dia me pergunto se este homem está tão determinado a OUVIR mulheres, para onde ele estará ecoando estes ensinamentos? Ou apenas os reproduz, feito um papagaio, mantendo assim em segurança sua capa de boa índole em terreno pouco conflituoso e frequentemente, muito aplaudido (por nós)?

O conhecimento político é NECESSÁRIO e as lutas são muitas. E não vejo mais sentido diante de tanto que preciso aprender, em “perder” meu tempo aconselhando homens como eles devem se orientar, e quando o faço movida por estar fora de mim, me caem os ânimos, sinto que perdi um trecho da minha caminhada. É uma escolha, e devemos manter o foco. E principalmente, estamos sendo VERDADEIRAMENTE ouvidas e compreendidas? Ou é apenas uma visualização superficial, como o app de mensagens? Esse ‘vão” entre o conhecimento e a atitude me deixa intrigada.

Se o engajamento político não abraçar situações do cotidiano, no tempo gasto de cada um, nas necessidades intelectuais ou não, na produtividade feita à tão duras penas e com um cansaço sempre de prontidão, em que ele está se sustentando? Ou em quem? Ele existe ou é apenas o rolar de notificações e conteúdos feitos em aplicativos alternados com danças — e nem preciso dizer que, em maior parte, beneficiando a quem, não é mesmo?

Se eu puder aconselhar, consuma de tudo que dê vontade, mas reserve um grande espaço na sua vida para conteúdo de mulheres e minorias. Alimente, espalhe, PRODUZA, crie elos e tudo mais o que for possível. Não espere, apenas faça. Bom conteúdo para todas!